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sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Tarefas em excesso prejudicam as crianças



O foco intenso na criança atinge seu auge por volta do século xv. Até a idade média, a infância não era valorizada. Quando desmamada, lá pelos 3 ou 4 anos, a criança passava a viver no mundo adulto. Não havia escolas formais e a família não era nuclear como agora. Na mesma casa conviviam pessoas de várias procedências.

Na idade moderna, junto com as grandes invenções, a revolução liberal e, mais tarde, com o iluminismo e a formação da burguesia, surge à infância. A criança passa a ser mais cuidada e os laços familiares se fortalecem. Pais e filhos são mais próximos e a criança passa a ser vista como um indivíduo que precisa de atenção e formação essencial. A infância passa a se constituir como uma idéia de momento especial, uma idade de ouro. Logo se começava a perceber que valia a pena investir nesses seres tão pequenos e dependentes.

A infância surge no momento em que se decide deixar as crianças irem à escola, brincarem e serem crianças. Com a modernidade, a infância passa a ser mais estudada e vista como a época de formação.

Liliana Sulzbach (2000) em seu curta-metragem A invenção da infância retrata de uma maneira objetiva e profunda os conceitos de trabalho infantil, comparando as exigências em classes mais pobres e nas classes médias altas. As diferenças são cruciais, mas em ambas acompanhamos uma espécie de corte e de invasão nos territórios do mundo infantil. Crianças assumem funções inapropriadas à sua idade.

Uma criança do interior pobre do nordeste suspira ao dizer: "Que jeito tem, Tem que trabalhar...." Enquanto a menina de classe media alta fala com um misto de satisfação e dúvida: "tenho hora para tudo! Tenho vida de adulto, mas é melhor assim!", referindo-se à sua agenda lotada e, por vezes, pouco construída com base no seu desejo ou perfil, tal como o menino que suspira pela falta de alternativa e diz "tem que trabalhar!".
Preparar os filhos tornou-se um grande e complexo investimento
Almejar para os nossos filhoso melhor dos mundos é perfeitamente compreensível, entretanto o objetivo que subjaz as práticas são questionáveis. Os pais, a pedido das escolas ou por expectativas próprias, tornam a rotina de seus filhos uma maratona desenfreada de cumprimento de tarefas. Os próprios pais não conseguem dar conta numa cidade como São Paulo de levar e trazer de um lado para outro seus filhos das mais diversas atividades. O tempo acelera para os pequenos e passa a ser um bem de alto valor para eles.

Na ansiedade de fornecer aos filhos todos os recursos creditados como necessários ao desenvolvimento, os pais correm o risco de subverter os valores em função de ter filhos mais competitivos, mais preparados para enfrentar o futuro.

No meu dia-a-dia, como psicóloga, atendo crianças e converso com seus pais e com aqueles responsáveis pela vida escolar e ouço afirmações como: "meu filho é muito inteligente",  "é uma criança brilhante, mas que por algum motivo não vai bem na escola", "ele é um atleta nato, tem um talento surpreendente" ou, o contrário, "ele é lento para fazer as atividades", "não tem noção do tempo", "se distraí com facilidade" e tantas outras afirmações que nos fazem pensar: qual o elo dessa cadeia que se perdeu. O que será que tem levado as crianças mais e mais a profundos estados de tristeza, insônia, hiperatividade e déficit de atenção?
Felizmente hoje temos um repertório de conhecimentos vindos da medicina, psicologia, neurociência, que faz toda diferença para conhecermos a etiologia de alguns quadros e poder tratá-los. Fato que há 50 anos era incomum e, portanto, as providências de tratamento eram precárias. Assim, não podemos somente atribuir à vida corrida que levamos o aparecimento dos distúrbios da infância.

Sem dúvida, os fatores do dia-a-dia como violência, exigências competitivas, acesso fácil aos meios de comunicação e diminuição do tempo de infância, contribuem para aumentar quadros antes mais freqüentes na idade adulta. O custo de compor uma família também é alto. Preparar os filhos tornou-se um grande e complexo investimento. Pais trabalham incansavelmente para manter seus filhos para assegurar que recursos não lhes faltem.

Na outra ponta temos crianças exigidas e cansadas, com pouco aproveitamento do tempo para brincar e aprender na escola. O que seria esperado? Não oferecer as possibilidades de aprendizagem "Não, absolutamente". Talvez o elo que precisamos encontrar em nosso dia-a-dia como pais seja o cultivo pelo aprender, pelo estudar e pelo conhecimento.

Aprender não é um processo de cumprimento de tarefas, mas sim um processo de descobrir coisas novas, todos os dias, das mais simples às mais complexas. Oferecer os recursos a partir da convicção de que mais do que resultados, esperamos que pais e educadores ajudem nossas crianças a criarem ideais construtivos. Nem sempre as crianças têm idéia do processo no qual estão envolvidas, quais são as etapas de todo e qualquer aprendizado. Empenho, dedicação, perseverança são valores pouco sublinhados nos processos de aprendizagem.