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sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A menina e o pássaro encantado

         Era uma vez uma menina que tinha como seu melhor amigo um Pássaro Encantado.
         Ele era encantado por duas razões:Primeiro porque ele não vivia em gaiolas. Vivia solto.
         Vinha quando queria. Vinha porque amava.Segundo, porque sempre que voltava suas penas tinham cores diferentes, as cores dos lugares por onde tinha voado.
         Certa vez voltou com penas imaculadamente brancas, e ele contou estórias de montanhas cobertas de neve. Outra vez suas penas estavam vermelhas, e ele contou estórias de desertos incendiados pelo sol. Era grande a felicidade quando estavam juntos.       Mas sempre chegava o momento quando o pássaro dizia:
         __"Tenho de partir."
         A menina chorava e implorava:
         __"Por favor não vá fico tão triste. Terei saudades e vou chorar..."
         __"Eu também terei saudades", dizia o pássaro. "Eu também vou chorar. Mas vou lhe contar um segredo: eu só sou encantado por causa da saudade que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for não haverá saudade. E eu deixarei de ser o Pássaro Encantado e você deixará de me amar."
          E partia. A menina sozinha, chorava. E foi numa noite de saudade que ela teve a idéia: "Se o Pássaro não puder partir, ele ficará. Se ele ficar, seremos felizes para sempre. E para ele não partir basta que eu o prenda numa gaiola."
           Assim aconteceu. A menina comprou uma gaiola de prata, a mais linda.
           Quando o pássaro voltou eles se abraçaram, ele contou estórias e adormeceu.
           A menina, aproveitando-se do seu sono, o engaiolou. Quando o pássaro acordou ele deu um grito de dor.
            __"Ah! Menina...que é isso que você fez? Quebrou-se o encanto. Minhas penas ficarão feias e eu me esquecerei das estórias. Sem a saudade o amor irá embora..."
            A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por acostumar.
           Mas não foi isso que aconteceu. Caíram suas plumas e o penacho. Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num cinzento triste. E veio o silêncio: deixou de cantar. Também a menina se entristeceu.
Não era aquele o pássaro que ela amava. E de noite chorava pensando naquilo que havia feito com seu amigo...Até que não mais agüentou. Abriu a porta da gaiola.
            __"Pode ir, Pássaro", ela disse." Volte quando você quiser..."
             __"Obrigado, menina", disse o Pássaro. "Irei e voltarei quando ficar encantado de novo. E você sabe: ficarei encantado de novo, quando a saudade voltar dentro de mim e dentro de você! "
                                                                
                                                                                                                   
* * *
Para o adulto que for ler esta história para uma criança:
Esta é uma história sobre a separação: quando duas pessoas que se amam têm de dizer adeus…
Depois do adeus, fica aquele vazio imenso: a saudade.
Tudo se enche com a presença de uma ausência.
Ah! Como seria bom se não houvesse despedidas…
Alguns chegam a pensar em trancar em gaiolas aqueles a quem amam. Para que sejam deles, para sempre… Para que não haja mais partidas…
Poucos sabem, entretanto, que é a saudade que torna encantadas as pessoas. A saudade faz crescer o desejo. E quando o desejo cresce, preparam-se os abraços.
Esta história, eu não a inventei.
Fiquei triste, vendo a tristeza de uma criança que chorava uma despedida… E a história simplesmente apareceu dentro de mim, quase pronta.
Para quê uma história? Quem não compreende pensa que é para divertir. Mas não é isso.
É que elas têm o poder de transfigurar o quotidiano.
Elas chamam as angústias pelos seus nomes e dizem o medo em canções. Com isto, angústias e medos ficam mais mansos.
Claro que são para crianças.
Especialmente aquelas que moram dentro de nós, e têm medo da solidão…
As mais belas histórias de Rubem Alves
Lisboa, Edições Asa, 2003